quarta-feira, 29 de abril de 2009

BOTA FORA

Tem uns dias que não escrevo no blog. Tenho me dedicado à nova peça, cujo título provisório tornou-se definitivo: BOTA FORA.
A história se passa em uma única noite, no bota fora do apartamento de Daniel, ator em momento de questionamento de sua profissão. Com ele estão mais três amigos: Camila, sua ex-namorada, professora de inglês à procura de alunos, que acaba de chegar de uma temporada de três anos em Nova Iorque, de onde saiu por causa da crise; Felipe, produtor teatral, responsável pela realização de grandes sucessos comerciais, mas sempre infeliz no amor por nunca ter acertado em suas escolhas, entre elas Tiago, prestes a embarcar para Nova Iorque em busca de uma nova vida.
Uma noite cercada bebida, pela maconha, pela cocaína e pela crise que afeta o mundo e transforma suas vidas. Uma peça sobre despedidas, finais de ciclos, desencontros, amores terminados e outros nem começados.
Enfim, uma peça que tá mexendo muito comigo e que, por isso, faço questão de compartilhar alguns trechinhos.

I

CAMILA: Eu adoraria morar em um lugar assim. Em Nova Iorque, meu sonho era morar num daqueles prédios que ficam em volta do Central Park. Você acredita que nos três anos que fiquei lá, a única vez que consegui entrar num apartamento daqueles foi numa festa que um amigo meu me levou no final do ano passado? Era uma puta cobertura de um milionário. Eu tava tão bêbada, tão louca de tanta maconha que a gente já tinha fumado, que quando eu cheguei lá em cima, eu fui correndo pra sacada! Tava um frio, mas um frio, um vento gelado daquele de doer, aí eu olhei pra baixo, praquela puta vista do caralho e comecei a chorar! Eu queria saltar Dani, mas não pra me matar. O que eu tava pensando na hora é que o pó que tavam cheirando na sala poderia ser aquele que fazia a Wendy do Peter Pan voar, como é mesmo o nome daquele pozinho mágico?


II
CAMILA: O milionário que te falei, o do apartamento, esse quis dar uma de Wendy de verdade, mas sem o pó. Se jogou do trigésimo oitavo andar da sua financeira no final do ano passado. Faliu, coitado. Pode alguém se matar por causa de grana?

DANIEL: Quando alguém desiste, qualquer coisa é motivo.

CAMILA; Você tá triste, Dani.

DANIEL: Muito.


III
CAMILA: Pára com isso. Nossa história já acabou faz tempo. Por sua causa ela acabou!

DANIEL: Não acabou não. Ela tá lá, parada no tempo, no exato instante da minha indecisão. Ela teria acabado se eu tivesse te ligado e ouvido de você que você iria de qualquer jeito, que nada faria você mudar de idéia. Mas eu fiquei aqui, segurando o telefone na mão, com medo de ouvir essa resposta. Que poderia ter sido outra. E é por isso que eu não consigo zerar tudo isso. Porque há três anos eu convivo com esse maldito “se”. Porra, por que eu não consigo ser objetivo na bosta da minha vida?

IV
FELIPE: Ele continua não me entendendo Camila. Há dez anos que eu conheço o Daniel e há dez anos ele não me entende. (para Daniel) Eu não estou falando só de grana. Estou falando de todas as crises, a emocional, a intelectual, espiritual, sexual. Tem tanta gente pirando aí fora que não vai ter laboratório farmacêutico que dê conta de tanto antidepressivo. E se der, as pessoas não vão ter dinheiro pra comprar. Tá tudo uma merda ou não está?


V
CAMILA: Eu deveria ter ligado sim. Conversado. Mas eu também dei minha parcela de contribuição pra nossa amizade acabar. Entrei na mesma vibe, o que eu podia fazer? Fiz a mesma coisa quando ela se arrependeu e começou a me ligar. Pelo menos eu acho que se arrependeu. Deixei de atender ligações, não retornei recados, e aí a gente foi esquecendo que um dia trocamos histórias de vida como quem troca de figurinha. Que saco! As pessoas só deveriam ir embora da vida da outra de comum acordo, não assim, não desse jeito. Outro dia eu a vi, na rua, do outro lado da calçada. Me deu uma vontade enorme de chamar, mas pra que? Seria mais triste perguntar como ela estava, o que andava fazendo da vida, ou dizer que saudades, a gente se vê, do que continuar andando. Tem coisas que a gente tem que deixar guardadas, como se fizessem parte de um filme lindo que a gente revê de vez em quando. Definitivamente, eu não sei lidar com as perdas.

VI
CAMILA: ... eu não sei porque mas naquela hora eu senti que o seu tchau tinha sido adeus, que o a gente se fala como se no dia seguinte a gente fosse dar bom dia um pro outro, ou nos encontrar à noite, nos abraçar na madrugada, foi um não vou atender mais se você ligar. E eu tava certa, não tava? Você se afastou de repente, terminou nossa história no silêncio e ainda me pergunta porque a gente acabou. Eu nunca soube o porquê.

DANIEL: Me desculpa.

CAMILA: Agora?

DANIEL: Sou eu. Eu não consigo ser feliz.

CAMIlA: Eu sei.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Se em certa altura tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita
Se em certo momento tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim
Se em certa conversa tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro
Se tudo isso tivesse sido assim, seria outro hoje, e talvez o universo inteiro seria insensivelmente levado a ser outro também.
Álvaro de Campos

quinta-feira, 9 de abril de 2009

INCERTEZA

Minha alegria está guardada no passado.
Ou me esperando no futuro, não sei.
Agora é só agonia!

quarta-feira, 8 de abril de 2009

FRAMES

Na próxima quarta-feira começam os ensaios de Frames, peça que escrevi no ano passado e que reúne três textos curtos sobre as impossibilidades da vida: Fogos no Céu de Meio-Dia, Lâmpadas e Ovos Quebram e Fogos no Céu de Meia-Noite. No elenco, Mari Nogueira, Carmela Paglioli, Rodolfo Arantes, Flávio Faustinoni, Camila Rafanti e mais um ator ainda a confirmar.
A direção também será do Flávio, que está cheio de idéias geniais para o espetáculo.
Estou feliz pela montagem e pela possibilidade de reunir profissionais tão talentosos e pessoas extremamente importantes na minha vida.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

SAX QUE NADA!

Av. Paulista. Sete da noite. Gente apressada de um lado pro outro. Encostado em um muro próximo ao prédio do SESI, um homem toca sax. Ninguém o vê. Ninguém ouve a música que ele toca. Nenhuma moeda é deixada na caixa quase vazia aos seus pés. Também pudera, o cara toca mal pra caralho.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

SE ESTA RUA, SE ESTA RUA FOSSE MINHA...

Hoje, por conta de uma consulta médica, fui à Mirandópolis, bairro classe média entre a Vila Mariana e a Saúde, onde passei minha infância. Há um bom tempo não ia para aqueles lados e como cheguei com certa antecedência, parei o carro e resolvi caminhar calmamente pela rua onde morei ao invés de ficar lendo revista na sala de espera do consultório.
Quase nada mudou. Nenhuma casa foi derrubada para virar prédio. Elas continuam lá, iguaizinhas às que ainda tenho na memória. Com certa nostalgia, que me acompanha nos últimos tempos, passei em frente à casa da Dona Ofélia, de onde roubávamos mamona para realizarmos combates memoráveis no quintal de nossa casa. Reparei que a “venda” de seu Antônio, que vendia tudo muito mais caro que os outros lugares, virou oficina mecânica, que a papelaria não existe mais e que a mercearia da esquina, cujo dono não lembro o nome, continua lá, do mesmo jeito que antes. Era lá que a minha mãe tinha a caderneta onde eram anotadas as compras diárias pagas somente no final do mês.
A casa onde morei, agora é uma imobiliária. Parei diante dela e em questão de segundos lembrei-me de tantas coisas que pareciam esquecidas no tempo ou apagadas pela memória que até me assustei. E foi então que me vi ainda menino pulando a janela do quarto que dá para o jardim para depois sair correndo para brincar na rua sem a autorização do meu pai. Lembrei-me dos dias de feira, quando colocava na calçada dezenas de gibis velhos que eu tentava vender para quem passasse. Vez ou outra eu vendia um e o dinheiro ganho reaplicava em gibis novos e na revista Recreio, que comprava todas as semanas. Percorri, na minha memória, cada cômodo da casa, senti o cheio do café passado no coador de pano, revivi a alegria do nascimento da minha irmã, achei, debaixo da minha cama, a caixa onde escondia doces e chocolates do meu irmão, reencontrei primos que há muito não vejo e brinquei de escorregar descalço no quintal em dias de chuva.
Caminhei com minhas memórias até o carro e dei uma última olhada na casa antes de seguir caminho, e mais uma vez me vi ali, com meus seis ou sete anos, dando um tchau pela janela, exatamente como eu fazia quando minha mãe saía. Mas hoje, quase quarenta anos depois, o tchau foi para mim. Eu acenei, sorrimos um para o outro e nos despedimos, felizes pelo reencontro que o tempo nos proporcionou.