quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

ASSASSINATOS NO ESTÚDIO C - CAPÍTULO V

Sheila saiu da TV Mundo abalada com a perda de Franciele, mas no ônibus refletiu sobre a vida, a morte, no quanto a amiga ultimamente reclamava que andava cansada da violência, das enchentes, do aquecimento global, do Fantástico, das novelas, da quitinete na Praça Roosevelt, do síndico, do trânsito, do salário, das dívidas, da falta de amor, do Rafael Neto, do regime, de ter que juntar grana pra pagar o silicone que havia feito e ainda não tinha terminado de pagar, de trabalhar trabalhar trabalhar e nunca sair da merda em que estava, enfim, no quanto ela estava de saco cheio de tudo.
No ponto final, Sheila já estava mais conformada e quando entrou na lan house em frente ao hotel onde estava morando, já havia esquecido definitivamente o assunto. Afinal de contas, amigas vêm e vão e Franciele estava mesmo precisando descansar.

Decidida a investir em sua carreira, a nova dançarina de auditório abriu sua caixa de e-mails e pesquisou em sua relação de contatos o endereço eletrônico de Joel Pimenta, jornalista responsável pela coluna De Olho nos Vips, do Jornal Folha de Hoje. Não que ela fosse amiga dele, ela simplesmente roubara o endereço da agenda de Almeidinha, já que Pimenta era cliente assíduo do www.streaptesao.com.br. Foi então, que enviou a ele a seguinte notícia:

A danssarina Cheila, que fez muito suceço com seu corpo rolisso no majistral show de danssa selvagem, dirigido pelo internassionalmente conhecido diretor Almeidinha, é a nova danssarina do Domingô de Tarde. Sua primeira apresentassão será no próssimo domingô. Amanhã ^a noite ela jantará com amigos no Bar da Telma, nos Jardins, onde podera ser fotografáda.

Preparado o e-mail, ela anexou uma foto sua que ilustra suas páginas do orkut e facebook e enviou a mensagem confiante na publicação.
***

Pimenta ria sozinho ao ler a mensagem. Aliás, ele ri sozinho várias vezes ao dia, pois o que mais recebe são e-mails de supostas celebridades em busca do estrelato. Fez questão de imprimir o texto e a foto para se divertir com seu amigo com quem almoçaria logo mais.
Pimenta trabalha no Folha de Hoje há dez anos. É um homem carismático, nem feio nem bonito, cerca de quarenta anos. Odeia o que faz, mas faz porque não sabe fazer outra coisa. Seu sonho sempre foi fazer reportagens, daquelas que não existem mais. Mas como nunca conseguiu, vai levando sua coluna do jeito que sabe: publicando o que acha interessante e o que odeia quando lhe pagam bem – e por fora – para isso. E o pagamento pode ser feito em dinheiro ou em sexo. Por isso, ele sempre é visto em noitadas com lindas mulheres em busca de ascensão social.


- Olha isso!, disse o jornalista para o seu amigo no almoço, ao lhe entregar a cópia do e-mail que recebera.

- Não acredito como alguém pode escrever tão errado desse jeito!

- Bem vindo ao mundo das celebridades! E das futilidades!

- Quem é?, perguntou o amigo.

- Uma gostosa que quer fazer sucesso. Acho até que vou publicar uma notinha.... e depois vou comer ela, é claro.

- Você sabe quem é?
- Ela mandou a foto! Olha só! É gostosa ou não é?

O amigo pegou a foto, olhou e olhou e olhou e olhou novamente! E então olhou e olhou e olhou e olhou novamente, sem pronunciar uma única palavra!

- Que foi?, perguntou Pimenta. É gostosa mas nem tanto! Não precisa ficar mudo desse jeito.
Ainda com a foto nas mãos, o detetive Clayton ficou em dúvida se contava ao amigo que a dançarina da foto era a puta pela qual ele se apaixonara.
** *

- Alô! Alô! Alô! Vai falar ou não? Olha aqui, seu filho da puta ou sua vaca, é a quinta vez que tá me ligando hoje e não fala nada. Vai se foder! Se ligar de novo, vou chamar a polícia, tá sacando?, gritou Mariazinha Tico Tico antes de desligar o telefone.
obs.: assassinatos no estúdio C continua dia 07/01

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

ASSASSINATOS NO ESTÚDIO C - CAPÍTULO IV

Cinco minutos depois que entrou na sala de Rafael Neto, Sheila já estava contratada. Nem precisou mostrar o vídeo book, o que a deixou com certa raiva pelo dinheiro que perdeu e pelo trato que deu e não precisaria ter dado no Almeidinha.

- Muito obrigada.

- Não agradeça. Estou fazendo isso por Franciele. Aliás, é no lugar dela que você vai entrar.

- Não posso tirar o lugar da minha amiga, respondeu Sheila num impulso.

Seguiram-se alguns segundos de silêncio, tempo suficiente para ela pensar que não deveria ter dito o que disse. Rafael Neto olhou para ela, olhos tristes e lacrimejantes, caminhou em sua direção, abraçou-a e começou a chorar convulsivamente.

- Entendo. Deve ser realmente muito difícil, eu também estou sofrendo, ele disse entre lágrimas e soluços.

- Olha, esquece o que eu disse. Eu fico no lugar dela sim. Ela também ficaria no meu. Amiga também é pra essas coisas, pra ficar uma no lugar do outra quando precisa. Ela não me disse que ia tirar férias, então eu cubro ela e pronto, depois, se você gostar de mim, eu continuo. Não precisa chorar por causa disso.

- Então você não sabe?

- Não sei o que, homem de Deus?

- Que Franciele morreu?

***
No 399° DP, o Detetive Steves esmurrava sua mesa enquanto falava ao telefone com o atendente do cartão de crédito. “Mas isso é um absurdo”, gritava, “eu não gastei esse dinheiro todo, como o meu cartão pode estar bloqueado? Alguém clonou o meu cartão, só pode ser!”

Para não ouvir a gritaria, o Detetive Clayton colocou um chumaço de algodão em seu ouvido. Ele olhava fixamente a tela do seu computador, mas sequer enxergava as cartas do jogo de paciência à sua frente. Seu pensamento estava longe. Estava em Sheila. Ele não conseguia entender porque ela ainda não havia ligado para ele. É certo que ele entendeu que ela tirou dinheiro da sua carteira enquanto dormia exatamente para não acordá-lo, o que no seu modo apaixonado de pensar, era uma prova de amor. O que realmente o incomodava era a ausência de uma ligação.

Seu pensamento foi interrompido quando alguém jogou em sua mesa as correspondências do dia. Clayton pegou os envelopes, foi separando os que não o interessava até se deter um em envelope grande, de cor branca, sem remetente, e envolvido por um papel celofane e uma fita de cetim vermelho. Imediatamente, ele imaginou-se tratar de uma carta de sua amada e o abriu. Dentro dele, apenas uma foto.

- Steves, Steves, vem cá!

- Peraí, Clayton, Só vou finalizar essa ligação aqui.

Clayton olhava para a foto e a foto olhava para Clayton e os dois não conseguiam se entender. Por que alguém haveria de lhe mandar uma foto de uma mesa com um vidro de tempero, uma acelga, uma rúcula, uma chicória, um quiabo e alguns legumes ou tubérculos que ele não conseguia identificar? E por que o vidro de tempero estava assinalado com um X? E qual a razão de uma seta apontar para uma acelga?

- Puta que pariu Clayton. Clonaram meu cartão, acredita? Mas eu vou te dizer uma coisa... eu vou pegar quem fez isso e jogar no Tietê, ah, se vou! O que é que tu quer?

- Isso é aqui é uma verdura ou um legume?, perguntou Clayton apontando a foto para Steves.

- Porra, não tá reconhecendo um inhame? Que merda de detetive é você?

- E isso aqui?

- Um aipim, caralho! Vê lá hein Clayton.... não marca bobeira não, não deixa o delegado ouvir que você não sabe essas coisas... ele sempre disse que gosta de detetive que tem conhecimento geral. Nunca ouviu ele dizer que pra um policial descobrir um crime ele precisa saber um pouco de tudo? Tu tá mal nessa história de botânica... se liga na botânica, meu irmão, se liga na botânica.

- Não enche o saco Steves... desde quando eu preciso saber de inhame pra prender bandido? Agora uma coisa está me intrigando! Por que alguém haveria de me mandar uma foto como essa?

- Pra mim, é alguma divulgação de restaurante, concluiu Steves!

- Pode ser, pode ser... mas que é estranho, é!

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

ASSASSINATOS NO ESTÚDIO C - CAPÍTULO III

Com o dinheiro que roubou da carteira do Detetive Clayton, Sheila resolveu fazer um vídeo book. Nada muito sofisticado. Queria apenas que alguém a gravasse dançando ritmos diversos. Telefonou para Almeidinha, um velhinho de 82 anos muito conhecido no meio da prostituição.
Posso dizer que ele é, literalmente, um filho da puta. Quando ele nasceu, Rosa Baiana, sua mãe, foi expulsa do puteiro onde trabalhava, lá pros lados da Cidade Baixa, em Salvador. Sem dinheiro e sem teto, ela veio tentar a vida em São Paulo, onde só chegou por solidariedade dos caminhoneiros que lhe deram carona e a comeram nas boléias dos caminhões. Um deles era frequentador do Caverna Molhada, conhecida casa de moças nada finas no centro da cidade. E foi lá que ela ficou com Almeidinha, que de lá só saiu depois de completar 35 anos. Bonito, pele morena, olhos esverdeados e corpo atlético, ele era o xodó das raparigas. Quem o vê hoje, careca, barrigudo, olhos vermelhos de contínuos derrames e com a dentadura que salta à boca sempre que ele fica nervoso, não imagina o galã que outrora foi.
Aposentado por invalidez aos 55 anos, atualmente Almeidinha completa seu irrisório pagamento do INSS gravando streap tease de garotas e garotos de programa com transmissão direta via internet pelo site streaptesao.com.br.

Nota: Contam que a aposentadoria por invalidez de Almeidinha foi mais um de seus muitos golpes. Todos até hoje se perguntam como alguém que nunca teve carteira assinada e sempre viveu de estelionato, roubo de carro, tráfico de drogas e de órgãos, entre outros pequenos crimes, conseguiu se aposentar. Uns dizem que ele falsificou documentos, outros que os envolvidos nos seus crimes eram pessoas muito poderosas, que circulavam pela esfera do poder e que, por medo, o ajudaram. Possivelmente, nunca saberemos.

O sistema do streaptesao é muito simples. Os interessados e interessadas entram no site, vêem a agenda de shows, escolhem o horário e pagam R$ 50,00 para terem o acesso liberado na hora marcada. O pagamento só pode ser feito por cartão de crédito, pois Almeidinha também complementa seu rendimento clonando cartões com os dados que obtem no site.

- Almeidinha, preciso que você me grave dançando. Quanto fica?

- Quem é?

- Sheila, porra!

- Você precisa marcar o dia e a hora que pode fazer o show. Pago 10% do que entrar de receita pro horário.

- Não quero fazer show. É só me gravar dançando. Depois fazer umas cópias em DVD. Quero levar pra televisão.

- Cobro R$ 300,00

- Pago R$ 150,00.

- R$ 200,00 mais quatro boquetes. Um por semana.

- R$ 150,00 mais um boquete e um beijo de língua.

- Fechado!

- Quando eu posso gravar?

- Vem hoje à noite. Com pagamento adiantado.

- Combinado. Mas lava bem antes, senão não pago.

Sheila desligou o telefone feliz. Sentia que sua vida começava a mudar. Que novos ventos sopravam, inclusive os muito fortes vindos do oceano e que quase a levaram para o meio da rua. Ela segurou-se no orelhão para não ser arrastada e com muita dificuldade conseguiu discar o número de sua melhor amiga.

- Sheila, não posso falar com você agora. Preciso me maquiar. O programa começa daqui a pouco.
- Relaxa, Franciele. É um segundo. Hoje vou fazer meu video book. Me fala pra quem eu posso entregar aí na TV! Quero dançar no Domingo de Tarde.

- Quem contrata é o Tavares, o diretor. Mas ele só contrata quem o Rafael Neto indicar. É o diretor artístico da emissora! Mas tem que dar pra ele, senão não rola.

- Isso é fácil.

- Liga pra ele amanhã. Diz que é minha amiga. Ele vai te atender.

Sheila agradeceu sem supor que seria a última conversa com a amiga. Depois pegou o metrô, desceu na Estação República e foi caminhando feliz até a Rio Branco onde pretendia encontrar um hotel para passar a noite. No caminho, lembrou de parar em uma farmácia para comprar Listerine, que lhe seria muito útil depois de praticar o pagamento no Almeidinha. E foi às cinco da tarde de segunda-feira que ela se viu na sala de espera de Rafael Neto.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

ASSASSINATOS NO ESTÚDIO C - CAPÍTULO II

Quando Duda Maia percebeu que o roxo de Franciele era um roxo de morte, pediu um close do cãmera e anunciou para o telespectador: São exatamente 15h14 e vocês acabaram de ver uma propaganda ao vivo da nova atração de nossa emissora, o reality show Mal Súbito. Em Mal Súbito, vocês irão acompanhar situações reais de pessoas que passam mal nos momentos mais inconvenientes possíveis e como elas são socorridas. Em breve, na gloriosa TV Mundo. Nossos comerciais, por favor!

Nem bem os comerciais entraram no ar, as dançarinas aglomeraram-se em volta de Franciele e perceberam que ela estava morta. Desespero geral. O diretor correu em direção à Duda Maia e gritou emocionado:

- Genial Duda! Você acaba de criar o programa do século. Mal Súbito será o sucesso da próxima temporada.

- Você acha mesmo, Tavares?

- Já estou vendo os números do ibope.

E os dois começaram a trocar idéias sobre o formato do programa, se ele iria ao ar de dia ou à noite e definiram que o programa poderia ter entradas inconvenientes durante o horário da novela das nove. A conversa foi adiada quando alguém os lembrou que os comerciais estavam para acabar e que era preciso resolver o que fazer com o corpo. Tavares pensou um pouco, mas como não havia mais tempo, pediu para que dois contra-regras levassem Franciele para o camarim 5 e o programa voltou ao ar. Alguns telespectadores perceberam as maquiagens borradas das dançarinas, pois a emissora recebeu pelo menos uma centena de e-mails elogiando a veracidade da propaganda ao vivo e aplaudindo a iniciativa do novo programa.

Obs.: No final do ano, a emissora ganharia o prêmio de inovação em propaganda e em maquiagem artística, oferecido pela revista Conosco.

O corpo de Franciele ficou deitadinho no sofá do camarim 5 até o final do Domingo de Tarde. Como todos sabiam que a pobre não tinha família, pois era filha única de pais mortos que eram filhos únicos de pais também mortos, a direção da emissora decidiu evitar polêmicas e pediu ao médico do trabalho que estava de plantão naquela tarde que providenciasse um atestado de óbito que eles cuidariam do resto.

- Mas eu não posso fazer isso sem saber a causa mortis, reclamou o Dr. Pedro.

- Uma das dançarinas disse que ela tinha o hábito de chupar halls de menta enquanto dançava. Ela morreu disso. De halls. De engasgo, respondeu o diretor artístico, Rafael Neto, que no seu íntimo lamentava a morte de Franciele, com quem já havia passado noites inesquecíveis de sexo, cocaína e axé music.

- Engasgo não dá! Posso por infarto? -, perguntou o Dr. Pedro.

- Pode.

E assim Franciele foi enterrada na segunda-feira de manhã no cemitério de Vila Cachoeirinha, em um túmulo da família de uma dançarina do programa, a Mariazinha Tico-Tico, também conhecida como Mulher Acelga.
Tavares, Rafael Neto e Duda Maia não puderam comparecer, pois estavam em uma reunião na TV Mundo decidindo quando estrearia o programa Mal Súbito.

Ao enterro, compareceram a Mariazinha e as demais dançarinas: Luciele, Carla Maria, Rosinha Chocolate, Dorinha do Bem-Bom e Patricinha Quebra-Quebra, respectivamente as Mulheres Aipim, Inhame, Rúcula, Chicória e Quiabo.

“Que tristeza” -, lamentou Rosinha Chocolate. “Ela estava tão feliz com o silicone que havia colocado!”

“Eu adorei. Os seios dela ficaram perfeitos. Alguém sabe onde ela colocou o silicone?” -, perguntou Carla Maria, que pretendia deixar os seios iguais aos de Franciele.

“Ela fez onde eu fiz. Eu que indiquei pra ela”, respondeu orgulhosa a Patricinha Quebra-Quebra. “Na casa da Paulete Blue!”.

Paulete Blue foi uma dançarina de auditório muito famosa. Era presença obrigatória em todas as festas da cidade. Não porque ela fosse diferente das demais, ela apenas dava mais do que as demais. E não era difícil ela sair das festas completamente bêbada. Como os fotógrafos sabiam que quando isso acontecia ela costumava voltar para casa a pé e doar todas as suas roupas para os mendigos que encontrava pelo caminho, ela sempre se tornava manchete. Mas numa dessas noites, quis o destino que ela tropeçasse num bueiro sem tampa e torcesse o pé de tal maneira que ela ficou manca, e por isso, não pôde mais dançar, o que a abalou emocionalmente. Dizem que ela prometeu que só voltaria a transar no dia em que deixasse de ser manca. Sem transas, sem festas. Sem festas, esquecimento. Sem dinheiro e sem trabalho, ela foi dividir um apartamento com Michele Fortuna, um travesti que vivia de shows e da aplicação de silicones. E foi com Michele que ela aprendeu o ofício. Tornaram-se sócias. Quando Michele morreu atropelada acidentalmente por um jogador de futebol, ela assumiu a clínica, que até hoje funciona em um quarto do seu apartamento na Amaral Gurgel.
Depois de muito conversarem sobre o assunto – do silicone, não da morte – chegou a hora de enterrar Franciele. Silenciosas, elas foram percorrendo as alamedas do cemitério em direção ao túmulo, onde jazia a inscrição: Dancei na Vida. Estavam tão tristes e entretidas nos seus pensamentos que se assustaram quando Dorinha do Bem-Bom gritou estarrecida:

- “Meus Deus, agora que me lembrei”.

Foi então que ela contou que um pouco antes do início do programa, ela viu Franciele atender uma ligação em seu celular e ter ficado muito nervosa com a conversa.

- Eu lembro que ela disse assim: você está me ameaçando? E depois disse: Alô. Alô. Alô. Vá se foder! Aí ela desligou!

Todas se olharam assustadas e começaram a falar ao mesmo tempo, que isso era muito sério, que ela podia estar sendo ameaçada, que elas precisavam saber se ela ligou ou recebeu a ligação e com quem ela falou. Foram interrompidas pelo coveiro, que pediu para eles conversarem depois. “ Pô, moças, eu tenho mais cinco covas pra abrir até o meio-dia. Colaborem!”.

Diante do suplicante pedido, decidiram enterrar a amiga e depois procurar o celular que há muito já estava submerso nas águas do rio Tiête.

domingo, 22 de novembro de 2009

ASSASSINATOS NO ESTÚDIO C - CAPÍTULO 1

É domingo. Típico domingo chuvoso em São Paulo, ruas quase vazias, tédio estampado no rosto das pessoas. Em um apartamento no 23° andar do Flat La Genoveva, localizado nas imediações dos Jardins, o detetive Clayton dorme em sono profundo. Passara a noite anterior em claro, trabalhando em uma operação denominada Urubu Tem Rabo, cujo objetivo foi o fechamento das casas de prostituição da Baixa Augusta. O nome da operação, um tanto estranho para alguns, foi escolhido pelos integrantes de sua equipe do 399° DP.

- Uma homenagem às putas, todas horrorosas, mas com bundas de encher os olhos, disse o Detetive Steves, Steves assim mesmo, sem o E inicial. Não que ele gostasse das bundas das putas, pois normalmente ele se satisfazia com os pintos dos putos, mas como não queria compartilhar suas preferências com seus colegas, dizia coisas que todo enrustido diz, mas que quase ninguém acredita.

Mas voltemos ao Detetive Clayton. Passava do meio-dia quando ele retornou para seu flat. Quem o conhece, sabe que é um policial de coração mole. E como tal, passou a manhã tentanto encontrar abrigo para quatro prostitutas que ficaram sem casa para morar. Duas ele deixou na casa da Dona Vitória, velha cafetina muito conhecida da polícia por oferecer noites gratuitas de prazer aos defensores da lei em troca do silêncio e da manutenção de sua atividade profissional.

A terceira ele deixou na casa de Amelinha, sua tia avó de 88 anos, cega e surda, que insistia em morar sozinha. Sozinha propriamente não, já que ela tinha um cão guia que a acompanhava por todos os lugares e uma diarista que fazia os serviços domésticos todas às sextas-feiras. Para a tia, ele disse se tratar de uma amiga que perdera o emprego e fora despejada. Nenhuma mentira. Para a moça, pediu apenas que ela não fizesse programas no dia da diarista.

- Nos demais dias não haverá problema, pois a tia Amelinha não enxerga e não escuta nada mesmo”, ressaltou antes de ir embora.

Contei tudo isso para chegar na quarta moça, a Dinalva, mais conhecida na noite por Sheila . Com cabelos longos quase loiros, olhos azuis quase hipnotizantes, seios quase naturais, bunda quase na medida exata e uma voz triste, que de triste não tinha nada pois ela sabia enganar muito bem, Sheila conquistara o detetive. Ele a convidou para ir ao seu Flat, ela aceitou, mas antes pediu que ele lhe pagasse um café, pois estava com muita fome. E foi lá na Galeria dos Pães, na Rua Estados Unidos, que eles conversaram e ela lhe disse que seu grande sonho era ser uma dançarina de programa de auditório.

Essa revelação conquistou-o definitivamente. Viu nesse desejo uma pureza, uma ingenuidade, uma paquita que poderia ter sido mas não foi e que este fato, aliado à outras desgraças pessoais, a levou à prostituição, o que o deixou profundamente comovido.

Mas como agora o que eles conversaram não interessa – talvez venha a interessar um pouco mais adiante – vou resumir os fatos. Ele pagou a conta, eles foram para o flat, ela deu para ele, ele acendeu um cigarro depois, ela foi para o banho, ele ligou a TV e dormiu. Dormiu tão intensamente que não percebeu quando Sheila foi embora depois de recolher uma boa quantia em dinheiro de sua carteira. Nem tampouco ouviu o início do Programa Domingo de Tarde, típico programa de auditório exibido diretamente do estúdio C pela TV Mundo, líder de audiência no horário.

Há dez anos no ar, o Domingo de Tarde não é nada diferente do que os seus concorrentes. Possui quadros melodramáticos, calouros desafinados, atrações que podem ser vistas em qualquer rua do centro da cidade e, claro, dançarinas ao fundo fazendo coreografias que mais parecem rituais de ovulação e fecundidade. E exatamente às 15h13, Franciele, a mais antiga dançarina do programa, conhecida como Mulher Tempero, colocou a mão em seu pescoço como se estivesse sem ar e foi ficando primeiro vermelha, depois azul, para terminar completamente roxa. Duda Maia, o apresentador, viu em seu monitor a cor da dançarina, reclamou no ar que a equipe de edição estava brincando com o novo equipamento de efeitos especiais comprado pela emissora, que isso não era possível, que se alguém quisesse brincar que não fosse no programa dele, o diretor começou a dar um esporro na frente do auditório, a dançarina do lado que tinha visto que a cor era de verdade e não de efeito tentou avisar mas por causa do susto a voz não saía, e foi no meio dessa confusão toda que Franciele caiu morta no chão. Neste exato instante, o Detetive Clayton roncou mais alto!

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Ontem passei a noite toda na varanda. Lendo. Olhando a lua. Olhando as luzes que pouco a pouco iam desaparecendo. A cidade toda na minha frente e nada perto de mim. Só as palavras. Do livro. E as tuas. Que de vez em quando pareciam vir juntas com o vento.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

sábado, 15 de agosto de 2009

Frames


segunda-feira, 10 de agosto de 2009

quarta-feira, 29 de julho de 2009


sexta-feira, 17 de julho de 2009

Clarice Lispector

"Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar essa pessoa de nossos sonhos e abraçá-la."

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Frames

A montagem de Frames tem sido para mim uma experiência enriquecedora. Quando começamos os ensaios, mesmo já existindo um texto pronto, sabíamos que ele não estava fechado. A proposta era exatamente a de estar aberto a mudanças, a novas idéias vindas de todos os envolvidos no processo. Confesso que no início não foi fácil para mim.
O desapego não é fácil.
Mas hoje, depois de acalorados debates e trocas de idéias, percebo o quanto é bom trabalhar com pessoas disponíveis, motivadas, interessadas, inteligentes e sensíveis.
O texto está mais rico, a encenação está diferente de tudo o que eu e o Flávio Faustinoni, meu diretor e parceiro de outros trabalhos, fizemos até hoje. E cada vez mais percebo que estar ao lado, produzir, acompanhar cada etapa do processo, é fundamental para mim. Afinal, o ato de escrever é muito solitário e eu preciso, definitivamente, das pessoas.
É maravilhoso ver a peça se construir aos poucos diante de nossas certezas e indecisões, de nossos olhares ternos e aflitos, da emoção que aflora em todos quando uma imagem se constroi. E hoje, especialmente, a emoção tomou conta de mim. Tenho um carinho muito especial por Fogos no Céu de Meia Noite, um dos três textos que compõem o espetáculo. Ao ouvir um trecho da música composta pelo Flávio para este texto e saber como essa história será contada, chorei. Um choro pra dentro, sem lágrimas, sem que ninguém percebesse. Um choro de quem sabe que está rodeado por anjos, no palco e na vida!

sábado, 4 de julho de 2009

TEMPO QUE PASSA.

"Já vivi mais da metade dos anos que viverei daqui pra frente". Li esta frase há uns dois anos em um texto de um autor cujo nome não me lembro ( ah, a idade) e ela ficou gravada em minha memória.
Hoje, não sei porque, ela bateu forte dentro de mim. Talvez por já estar com 45 anos e ter a certeza absoluta de que vivi mais da metade da minha vida.
Não chegarei aos 90.
Não quero chegar aos 90.
E por ter esta certeza dentro de mim, me encontro em um momento extremamente reflexivo. Penso no que deixei pra trás, no que ainda virá, nos amigos que se foram, nos que compartilham a minha vida e nos outros que estão por vir, no amor do presente e nos amores do passado e do futuro, nas palavras que escrevi e naquelas que surgirão no momento certo e ainda serei capaz de digitar ou pronunciar.
Sei que ainda tenho muito para fazer e a dizer mas o tempo, com certeza, não permitirá que eu concretize tudo. Então, pelo menos, que eu consiga fazer o melhor no que farei daqui pra frente. Que minhas palavras sejam menos duras, as minhas mágoas e meus rancores cada vez mais ausentes, meus amigos mais verdadeiros, meus amores mais serenos. Pois como já escreveu Mário Quintana, "quero, um dia, dizer às pessoas que nada foi em vão... Que o amor existe, que vale a pena se doar às amizades e às pessoas, que a vida é bela sim e que eu sempre dei o melhor de mim... e que valeu a pena."

terça-feira, 30 de junho de 2009

Tá uma noite linda lá fora. Quente. Acolhedora. Noite pra esperar amanhecer. Mas por mais que ela me convide, não tenho vontade de estar lá, com ela. Tô aqui tomando uma cerveja comigo, ouvindo música e pensando na remota possibilidade de você ligar e dizer oi, eu quero falar com você. E então eu desmarcaria o que quer que fosse, pois o que quer que fosse não teria mais a menor importância, o calor de nossas almas nos envolveria e um acolheria o outro em sua vida.
Mas a merda é saber que isso pode acontecer somente quando a gente já tiver se perdido, quando os números de celular que cada um tem em sua agenda já não forem mais os mesmos, quando por mais que a gente queira se encontrar, a vida não vai dar outra chance.
A certeza da dúvida é o que mais me angustia. E enquanto a angústia não passa, eu tomo uma cerveja comigo, ouço música e escrevo pra você ler um dia, se tudo ou nada acontecer, que tá uma noite linda lá fora. Quente. Acolhedora. Noite pra esperar você!
"Se me obrigassem a dizer porque o amava, sinto que a minha única resposta seria: ''Porque era ele, porque era eu.''
Montaigne

sábado, 20 de junho de 2009

Frames

Meu texto mais recente, com direção de Flávio Faustinoni, estreia dia 22 de agosto, no Instituto Capobianco - Teatro da Memória.
Frames reúne três textos curtos sobre as urgências e impossibilidades da vida: Fogos no Céu de Meia Dia, Lâmpadas e Ovos Quebram e Fogos no Céu de Meia Noite.
No elenco, Carmela Paglioli, Mari Nogueira, Rodolfo Arantes ( que também estão no elenco de Depois de Tudo), Daniela Mustafci, Márcio Branco e Flávio Faustinoni.
Aguardem!

terça-feira, 2 de junho de 2009

DOIS IRMÃOS

Com certeza, todo mundo conhece uma história que envolva dois ou mais irmãos brigando e se odiando pelos motivos mais aburdos possíveis, de um ciúme destruidor que nasce na infãncia e cresce assustadoramente ao longo dos anos à disputa por bens de família. Filmes, reportagens, peças e livros também costumam retratar o acerto de contas entre eles após o reencontro depois de uma separação desejada ou morte dos pais. Mas na existênca do amor pouco se fala. Natural em se tratando de um país onde a imprensa vive do lado trágico da vida e as pessoas preferem ouvir e falar do ruim no lugar do bom.
Pois bem, eu quero falar exatamente sobre a existência de um amor, intenso e incondional entre dois irmãos. Não vou entrar no mérito dos nomes, pois a história não é minha. Basta dizer que ele, meu amigo, é um jovem e talentoso ator de São Paulo e ela, que não conheço, trancou a faculdade de cinema para estudar na Austrália. Talvez por ter perdido a minha irmã, que se foi muito jovem para o andar de cima, eu me comova demasiadamente ao ver o quanto dói em meu amigo, a ausência causada pela distância. Ao falar dela, seus olhos brilham de amor e de saudade. Ao ouvir a sua voz ao telefone, a dele embarga de emoção. A sensação que se tem é que eles são únicos, indivisíveis.
Creio que ambos, mesmo unidos por aquele fio invísivel do amor, devem contar os dias, as horas, os minutos que faltam para o reencontro tão esperado.
Torço por eles. Torço para que o tempo passe mais rápido, que a vida intensifique este sentimento e que eles possam compartilhar muitas alegrias e ao mesmo tempo inspirar, em outras famílias, amores que se diluíram por ressentimentos, partilhas e desavenças. É o mínimo que posso dizer a estes dois irmãos que se amam tanto.

domingo, 24 de maio de 2009

Vai entender a crítica.

Vou ser breve.
Ontem assisti Mediano.
Hoje eu li a crítica da peça na Folha de São Paulo.
Conclusão: eu e o crítico assistimos a dois espetáculos diferentes.
Tanto que no final da crítica consta o endereço de outro teatro.
Como eventualmente temos em cartaz vários vestidos ou afogados, talvez tenha dois Medianos e eu não saiba.
O que eu sei é que o Mediano que assisti é muito bom.
E está no Sesc Pinheiros. Não no Viga.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

DEPOIS DE TUDO

Depois de Tudo terminou temporada no Pyndorama, mas segue adiante.
Dia 09 estaremos em Barueri e dia 16 em Piedade. E logo mais, novas agendas.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

BOTA FORA

Tem uns dias que não escrevo no blog. Tenho me dedicado à nova peça, cujo título provisório tornou-se definitivo: BOTA FORA.
A história se passa em uma única noite, no bota fora do apartamento de Daniel, ator em momento de questionamento de sua profissão. Com ele estão mais três amigos: Camila, sua ex-namorada, professora de inglês à procura de alunos, que acaba de chegar de uma temporada de três anos em Nova Iorque, de onde saiu por causa da crise; Felipe, produtor teatral, responsável pela realização de grandes sucessos comerciais, mas sempre infeliz no amor por nunca ter acertado em suas escolhas, entre elas Tiago, prestes a embarcar para Nova Iorque em busca de uma nova vida.
Uma noite cercada bebida, pela maconha, pela cocaína e pela crise que afeta o mundo e transforma suas vidas. Uma peça sobre despedidas, finais de ciclos, desencontros, amores terminados e outros nem começados.
Enfim, uma peça que tá mexendo muito comigo e que, por isso, faço questão de compartilhar alguns trechinhos.

I

CAMILA: Eu adoraria morar em um lugar assim. Em Nova Iorque, meu sonho era morar num daqueles prédios que ficam em volta do Central Park. Você acredita que nos três anos que fiquei lá, a única vez que consegui entrar num apartamento daqueles foi numa festa que um amigo meu me levou no final do ano passado? Era uma puta cobertura de um milionário. Eu tava tão bêbada, tão louca de tanta maconha que a gente já tinha fumado, que quando eu cheguei lá em cima, eu fui correndo pra sacada! Tava um frio, mas um frio, um vento gelado daquele de doer, aí eu olhei pra baixo, praquela puta vista do caralho e comecei a chorar! Eu queria saltar Dani, mas não pra me matar. O que eu tava pensando na hora é que o pó que tavam cheirando na sala poderia ser aquele que fazia a Wendy do Peter Pan voar, como é mesmo o nome daquele pozinho mágico?


II
CAMILA: O milionário que te falei, o do apartamento, esse quis dar uma de Wendy de verdade, mas sem o pó. Se jogou do trigésimo oitavo andar da sua financeira no final do ano passado. Faliu, coitado. Pode alguém se matar por causa de grana?

DANIEL: Quando alguém desiste, qualquer coisa é motivo.

CAMILA; Você tá triste, Dani.

DANIEL: Muito.


III
CAMILA: Pára com isso. Nossa história já acabou faz tempo. Por sua causa ela acabou!

DANIEL: Não acabou não. Ela tá lá, parada no tempo, no exato instante da minha indecisão. Ela teria acabado se eu tivesse te ligado e ouvido de você que você iria de qualquer jeito, que nada faria você mudar de idéia. Mas eu fiquei aqui, segurando o telefone na mão, com medo de ouvir essa resposta. Que poderia ter sido outra. E é por isso que eu não consigo zerar tudo isso. Porque há três anos eu convivo com esse maldito “se”. Porra, por que eu não consigo ser objetivo na bosta da minha vida?

IV
FELIPE: Ele continua não me entendendo Camila. Há dez anos que eu conheço o Daniel e há dez anos ele não me entende. (para Daniel) Eu não estou falando só de grana. Estou falando de todas as crises, a emocional, a intelectual, espiritual, sexual. Tem tanta gente pirando aí fora que não vai ter laboratório farmacêutico que dê conta de tanto antidepressivo. E se der, as pessoas não vão ter dinheiro pra comprar. Tá tudo uma merda ou não está?


V
CAMILA: Eu deveria ter ligado sim. Conversado. Mas eu também dei minha parcela de contribuição pra nossa amizade acabar. Entrei na mesma vibe, o que eu podia fazer? Fiz a mesma coisa quando ela se arrependeu e começou a me ligar. Pelo menos eu acho que se arrependeu. Deixei de atender ligações, não retornei recados, e aí a gente foi esquecendo que um dia trocamos histórias de vida como quem troca de figurinha. Que saco! As pessoas só deveriam ir embora da vida da outra de comum acordo, não assim, não desse jeito. Outro dia eu a vi, na rua, do outro lado da calçada. Me deu uma vontade enorme de chamar, mas pra que? Seria mais triste perguntar como ela estava, o que andava fazendo da vida, ou dizer que saudades, a gente se vê, do que continuar andando. Tem coisas que a gente tem que deixar guardadas, como se fizessem parte de um filme lindo que a gente revê de vez em quando. Definitivamente, eu não sei lidar com as perdas.

VI
CAMILA: ... eu não sei porque mas naquela hora eu senti que o seu tchau tinha sido adeus, que o a gente se fala como se no dia seguinte a gente fosse dar bom dia um pro outro, ou nos encontrar à noite, nos abraçar na madrugada, foi um não vou atender mais se você ligar. E eu tava certa, não tava? Você se afastou de repente, terminou nossa história no silêncio e ainda me pergunta porque a gente acabou. Eu nunca soube o porquê.

DANIEL: Me desculpa.

CAMILA: Agora?

DANIEL: Sou eu. Eu não consigo ser feliz.

CAMIlA: Eu sei.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Se em certa altura tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita
Se em certo momento tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim
Se em certa conversa tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro
Se tudo isso tivesse sido assim, seria outro hoje, e talvez o universo inteiro seria insensivelmente levado a ser outro também.
Álvaro de Campos

quinta-feira, 9 de abril de 2009

INCERTEZA

Minha alegria está guardada no passado.
Ou me esperando no futuro, não sei.
Agora é só agonia!

quarta-feira, 8 de abril de 2009

FRAMES

Na próxima quarta-feira começam os ensaios de Frames, peça que escrevi no ano passado e que reúne três textos curtos sobre as impossibilidades da vida: Fogos no Céu de Meio-Dia, Lâmpadas e Ovos Quebram e Fogos no Céu de Meia-Noite. No elenco, Mari Nogueira, Carmela Paglioli, Rodolfo Arantes, Flávio Faustinoni, Camila Rafanti e mais um ator ainda a confirmar.
A direção também será do Flávio, que está cheio de idéias geniais para o espetáculo.
Estou feliz pela montagem e pela possibilidade de reunir profissionais tão talentosos e pessoas extremamente importantes na minha vida.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

SAX QUE NADA!

Av. Paulista. Sete da noite. Gente apressada de um lado pro outro. Encostado em um muro próximo ao prédio do SESI, um homem toca sax. Ninguém o vê. Ninguém ouve a música que ele toca. Nenhuma moeda é deixada na caixa quase vazia aos seus pés. Também pudera, o cara toca mal pra caralho.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

SE ESTA RUA, SE ESTA RUA FOSSE MINHA...

Hoje, por conta de uma consulta médica, fui à Mirandópolis, bairro classe média entre a Vila Mariana e a Saúde, onde passei minha infância. Há um bom tempo não ia para aqueles lados e como cheguei com certa antecedência, parei o carro e resolvi caminhar calmamente pela rua onde morei ao invés de ficar lendo revista na sala de espera do consultório.
Quase nada mudou. Nenhuma casa foi derrubada para virar prédio. Elas continuam lá, iguaizinhas às que ainda tenho na memória. Com certa nostalgia, que me acompanha nos últimos tempos, passei em frente à casa da Dona Ofélia, de onde roubávamos mamona para realizarmos combates memoráveis no quintal de nossa casa. Reparei que a “venda” de seu Antônio, que vendia tudo muito mais caro que os outros lugares, virou oficina mecânica, que a papelaria não existe mais e que a mercearia da esquina, cujo dono não lembro o nome, continua lá, do mesmo jeito que antes. Era lá que a minha mãe tinha a caderneta onde eram anotadas as compras diárias pagas somente no final do mês.
A casa onde morei, agora é uma imobiliária. Parei diante dela e em questão de segundos lembrei-me de tantas coisas que pareciam esquecidas no tempo ou apagadas pela memória que até me assustei. E foi então que me vi ainda menino pulando a janela do quarto que dá para o jardim para depois sair correndo para brincar na rua sem a autorização do meu pai. Lembrei-me dos dias de feira, quando colocava na calçada dezenas de gibis velhos que eu tentava vender para quem passasse. Vez ou outra eu vendia um e o dinheiro ganho reaplicava em gibis novos e na revista Recreio, que comprava todas as semanas. Percorri, na minha memória, cada cômodo da casa, senti o cheio do café passado no coador de pano, revivi a alegria do nascimento da minha irmã, achei, debaixo da minha cama, a caixa onde escondia doces e chocolates do meu irmão, reencontrei primos que há muito não vejo e brinquei de escorregar descalço no quintal em dias de chuva.
Caminhei com minhas memórias até o carro e dei uma última olhada na casa antes de seguir caminho, e mais uma vez me vi ali, com meus seis ou sete anos, dando um tchau pela janela, exatamente como eu fazia quando minha mãe saía. Mas hoje, quase quarenta anos depois, o tchau foi para mim. Eu acenei, sorrimos um para o outro e nos despedimos, felizes pelo reencontro que o tempo nos proporcionou.

sexta-feira, 27 de março de 2009

HISTÓRIAS DE FAMÍLIA


Escrever a história do meu avô me fez lembrar de outras histórias de família.
Uma delas foi a da minha avó paterna, Elisa. Ela ficou viúva um pouco antes de eu nascer e desde então passou a morar com meus pais. Era viciada em loterias e na igreja.
Dizia ela – o que nunca acreditei – que assim que nasceu seu quarto e último filho, nunca mais teve relações sexuais com meu avô. Queria dedicar-se unicamente à igreja, onde ia quase que diariamente rezar e, possivelmente, conversar com outras amigas beatas sobre as últimas novidades do bairro. Certa vez ela ganhou na loteria e investiu todo o dinheiro ganho em sua candidatura à vereadora. Os votos foram tão poucos que logo ela se deu conta que nem as comadres da igreja haviam votado nela. Brigou com todas elas e foi rezar em outra paróquia.
Se ela realmente praticou a abstinência sexual, aos 80 anos o desejo sagradamente recolhido deu lugar a sonhos eróticos com o Ronnie Von – sim, ela nos contava isso - e lembranças de suas aventuras. Até onde sei, ela foi casada duas vezes e saiu virgem do primeiro casamento, pois o marido adoeceu logo após o matrimônio e morreu uma semana depois. “Em compensação, o seu avô, na noite de núpcias, me fez seis vezes”. Sim, ela também nos contava isso.
Diferentemente dela, minha tia Iara, irmã de minha avó por parte de mãe, era extremamente moralista. Não deixava meu tio ver televisão, pois nela só havia mulheres seminuas. Ele só podia ligar a TV diante de sua cerrada vigilância. Não escondia suas retrógradas opiniões de ninguém e fazia questão de dizer que as mulheres que usavam biquinis eram prostitutas, mesmo estando diante de suas sobrinhas que usavam biquinis. Nacionalista radical, só ouvia música sertaneja, que fazia questão de cantarolar quando eu, ainda criança, ia tomar lanches deliciosos em sua casa no Tremembé. Só depois que ela morreu, soube que seu verdadeiro nome era Ubalda, o que ela escondeu de todos nós. Com toda a razão.
Lembrei-me também do meu tio Bonifácio, que me fez comer rã pensando que era frango, do tio Mário, que morreu sem nenhuma lembrança de vida, da Tia Cora e sua invejável alegria de viver, do Tio Carlos, que casou-se com uma prostituta e depois caiu na bandidagem e do tio Otto, oficial da aeronática que perdia todo o seu dinheiro no jóquei. E em meio a todas estas lembranças, veio em minha mente a imagem de minha irmã Laura, com seus cabelos castanhos compridos e olhos azuis profundos. Vítima de fibrose cística, ela morreu aos 20 anos. Passou sua vida lutando contra a doença, mas quem a via pela primeira vez, sequer imaginava que ela sofria de algum mal, tamanha sua alegria e resignação. Um pouco antes, como que já sabendo que o inevitável se aproximava, quis terminar o namoro que já durava quase dois anos. Não queria ver o namorado sofrer mais do que ele já havia sofrido ao ver a vida terminando. Pedido negado. Ele ficou ao lado dela até o fim! Ainda passou um tempo visitando meus pais até que um dia foi seguir sua vida. Gostaria de saber por onde anda! Quem sabe um dia a gente não se encontre por aí e lembre, com uma saudade feliz, aqueles dias de namoro já tão distantes.

domingo, 22 de março de 2009

ENTRE DOIS AMORES

Meu avô amou minha avó. E amou também a Gertrudes.
Minha avó não amava tanto assim meu avô. Já a Gertrudes, ah, essa sim o amou de verdade. Ele bem que tentava esconder sua existência, mas não conseguia. Suas histórias e desculpas eram tão aburdas que chegavam a ser engraçadas. Certo dia, chegou em sua casa com uma camisa azul, muito bem dobrada, e disse para minha avó:
“Néia, olha só a camisa que achei na rua. Novinha. E ainda é do meu tamanho. Não sou um homem de sorte?” Ela não dizia nada. Aprendeu desde pequena que teria que viver com o marido até o fim da vida, independentemente do que ele fizesse, e ponto final. E porque o via mais como um companheiro com quem dividiria a velhice do que como um homem por quem faria qualquer coisa por amor.
Certa noite, ele saiu para comprar um lanche para os dois que mudariam de apartamento no dia seguinte. Quando voltou ela estava morta, sentada no sofá, a cabeça pendendo para um lado, a TV ligada na hora da novela, as caixas de papelão espalhadas pela sala. Foi a única vez que vi meu avô chorar como criança, um choro triste, engasgado. Não havia nele nenhum sentimento de culpa, porque não havia razão para isso. Ele a amou, muito, de verdade, assim como amou Gertrudes, que só conhecemos um ano depois deste dia, quando ela foi visitá-lo no hospital onde estava internado. E foi então que eu, meus irmãos e minhas primas a adotamos como nossa “vódrasta”. E fizemos isso porque vimos nela uma mulher imensamente generosa, que viveu ao lado dele por mais de trinta anos em silêncio, que jamais exigiu dele que se separasse de minha avó, que passasse os natais e finais de ano ao lado dela, que compartilhasse os domingos ou que viajassem juntos. Não, ela o amou na solidão de seu apartamento, no vazio dos dias que demoravam a passar, na espera da próxima visita. Alguns podem dizer que ela foi louca, que deveria ter pensado mais em si, largado do meu avô e encontrado outros homens para dividir sua vida. Eu digo que ela foi uma mulher que viveu um amor incondicional e que eu, talvez como ela, possa um dia ser capaz de atitudes semelhantes, de optar em viver o pouco ao invés de lamentar o nada. Por isso nunca a julguei pela decisão que tomou em sua vida.
E foi só depois de nossa acolhida que ela, enfim, pôde viver ao lado dele. Pena que eles tiveram pouco tempo. Meu avô se foi dois anos depois, em um dia quente de verão. E ela, que por trinta anos o esperou, não quis esperar mais tanto tempo para encontrá-lo no andar de cima, e então, no outono do mesmo ano, arrumou suas malas e partiu.

terça-feira, 17 de março de 2009

DEPOIS DE TUDO

domingo, 8 de março de 2009

DEPOIS DE TUDO












DEPOIS DE TUDO REESTRÉIA NO PYNDORAMA

Inspirado no desabamento na obra da estação Pinheiros do Metrô, em São Paulo, o espetáculo Depois de Tudo estreou em 2008, em São Paulo e, no mesmo ano, apresentou-se no Festival Internacional de Teatro de Porto Alegre. É o segundo trabalho de investigação e pesquisa de temas contemporâneos, característica principal da parceria entre o dramaturgo Franz Keppler e o diretor Flávio Faustinoni, que reestréia dia 21 de março, no Espaço Pyndorama, em Perdizes.

A peça conta a história de uma família que é levada para um quarto de hotel depois de ter a casa condenada pela Defesa Civil em função de uma cratera aberta na rua onde moram. No hotel, são informados que apenas um deles poderá retornar ao imóvel e retirar os pertences pessoais mais importantes. Para reforçar a situação caótica vivida pelos personagens, o diretor optou por ambientar a encenação em um canteiro de obras onde a instabilidade, a provisoriedade e a falta de infra-estrutura se travestem de um suposto conforto que hospeda estas pessoas. “Na exposição de tal fragilidade, cavamos um buraco mais profundo, referente às relações humanas e familiares, desgatadas pelas histórias de vida de cada personagem e que emergem diante da tragédia que soterrou não só os bens materiais mas também os sonhos de vida de cada um deles”, diz Faustinoni.

DEPOIS DE TUDO
Texto: Franz Keppler; Direção: Flávio Faustinoni; Elenco: Mari Nogueira, Carmela Paglioli e Rodolfo Arantes. Local: Espaço Pyndorama - Rua Turiassu, 481 – Perdizes – 3871-0373 ; Temporada: 21 de março a 26 de abril, sábados, 21h30 e domingos, 20h00. Preços: R$ 20,00 ( inteira) e R$ 10,00 ( meia); Bilheteria abre uma hora antes. Não aceita cartões de crédito ou débito. Pagamento apenas com cheque ou dinheiro. Estacionamento conveniado no local.

O que já falaram sobre Depois de Tudo

Depois de Tudo atesta que estamos diante de um excelente autor, da mesma geração de Sérgio Roveri, Samir Yasbek, Newton Moreno e Mário Viana, orgulhando o teatro paulista' - Maria Lúcia Candeias - Aplauso Brasil

No ano passado, o autor Franz Keppler e o diretor Flávio Faustinoni surpreenderam com o melodrama Nunca Ninguém Me Disse Eu Te Amo. Em Depois de Tudo, a dupla inverte os caminhos seguidos na montagem anterior. Se antes o intimismo surgia de grandes conflitos em uma empresa, agora as rusgas familiares desenham um retrato social. Talentoso, Keppler promove viradas no destino dos personagens sem comprometer sua veracidade – e acerta no tom contemporâneo' - Dirceu Alves Júnior - Veja SP

'Depois de Tudo, novo texto de Franz Keppler dirigido por Flávio Faustinoni, é de uma contemporaneidade crua e brutal. Sente-se a realidade cortando a carne, expondo as vísceras de um mundo que perdeu, talvez para sempre, suas referências mais sólidas - Ferdinando Martins - Aplauso Brasil

“Para mim, a surpresa - no Festival de Porto Alegre - foi Depois de Tudo. Um espetáculo contundente. Uma daquelas peças que a gente sente que assistir teatro vale a pena.” - Júlio Conte - Dramaturgo

“Excelente dramaturgia e excelentes interpretações”. - Antônio Holfdet - Jornal do Commercio - Festival Internacional de Teatro de Porto Alegre

“A simplicidade e uma quase delicadeza é o grande mérito de Depois de Tudo - Argumento Net - Porto Alegre Em Cena”

PARADOXO DO AMOR

O amor é foda.
É alegria constante, tristeza guardada pra derramar na solidão.
É medo,
Coragem,
Indecisão.
Quando se ama, a gente se abre pro mundo e se rasga por dentro,
Sorri ao pensar no futuro e chora antecipadamente pelo dia do abandono que certamente virá. De um jeito ou de outro, ele virá. Pode ser em um momento de despedida ou no enorme silêncio de um jantar a dois.
Amar é foda!
É olhar pro outro e sentir o que ele sente e não ter certeza do que ele diz.
É se encantar, se decepcionar
É conquistar, perder.
É querer tudo e, ao mesmo tempo, não ter ter absolutamente nada!

O ATESTADO

O texto abaixo foi escrito para o Festival de Peças de Um Minuto, realizado pelos Parlapatões no final de 2007. É uma pequena crítica aos programas de incentivo.

O ATESTADO
Franz Keppler

SALA DE UMA REPARTIÇÃO PÚBLICA.

HOMEM: Boa tarde! Eu vim requisitar um atestado de óbito.

FUNCIONÁRIO: Pois não, pra quem é o atestado?

HOMEM: Pra mim!

FUNCIONÁRIO: O senhor morreu?

HOMEM: Claro que não.

FUNCIONÁRIO: Então qual a razão do atestado?

HOMEM: O senhor sabe.... tirar um atestado desses dá muito trabalho, é muito doloroso. Não quero que minha família passe por isso quando eu me for. Pra que tanto sofrimento, não é mesmo?

FUNCIONÁRIO: Nesse caso, em se tratando de um atestado de óbito para quem está vivo, sugiro que o senhor entre no edital do PAC, Programa de apoio ao cadáver, mais especificamente o PAC-V, direcionado a cadáveres vivos. Basta apresentar o seu projeto e aguardar. Mas cuidado: o projeto tem que estar em dois envelopes. No envelope 1 o senhor detalha a sua vida. Quem é o senhor, o histórico de sua família, o que fez estes anos todos, fotos de acontecimentos importantes, eventuais publicações a seu respeito, profile do orkut etc. Já no envelope 2 tem que constar os seus documentos e as fichas de inscrição e aceite preenchidas. Mas cuidado: não pode faltar nenhuma assinatura. Se faltar uma, apenas uma, das 448,5 assinaturas, o senhor estará desclassificado.

HOMEM: 448 vírgula cinco?

FUNCIONÁRIO: Sim, em algumas linhas tem que colocar apenas meia assinatura. Em umas o primeiro nome, em outras apenas o sobrenome.

HOMEM: Muito complicado!

FUNCIONÁRIO: Se o senhor preferir, temos um edital menos burocrático: o de circulação.... caso o seu projeto seja aprovado, depois de morto o seu cadáver irá circular por alguns cemitérios do interior. Não sei se o senhor sabe mas queremos revitalizar os cemitérios das cidades mais distantes, menos utilizados, sabe?

HOMEM: É muita burocracia. Quer saber? Quero mais que minha família se dane.

HOMEM VAI SAINDO. FUNCIONÁRIO SEGUE-O INSISTENTE





FUNCIONÁRIO: Espere! Se é família, é grupo e se é grupo, temos também o edital do fomento. O senhor não quer fundar um grupo de pessoas vivas que queiram antecipar o seu atestado de óbito e desenvolver uma pesquisa sobre isso?O edital é bem mais simples, o que acha?

HOMEM: ( EM OFF) Vai se foder!

FUNCIONÁRIO SAI ATRÁS

FUNCIONÁRIO ( EM OFF): Pra foder também temos uma lei de incentivo que é ótima, a Rouanet, conhece?

BLACK-OUT