quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

ASSASSINATOS NO ESTÚDIO C - CAPÍTULO V

Sheila saiu da TV Mundo abalada com a perda de Franciele, mas no ônibus refletiu sobre a vida, a morte, no quanto a amiga ultimamente reclamava que andava cansada da violência, das enchentes, do aquecimento global, do Fantástico, das novelas, da quitinete na Praça Roosevelt, do síndico, do trânsito, do salário, das dívidas, da falta de amor, do Rafael Neto, do regime, de ter que juntar grana pra pagar o silicone que havia feito e ainda não tinha terminado de pagar, de trabalhar trabalhar trabalhar e nunca sair da merda em que estava, enfim, no quanto ela estava de saco cheio de tudo.
No ponto final, Sheila já estava mais conformada e quando entrou na lan house em frente ao hotel onde estava morando, já havia esquecido definitivamente o assunto. Afinal de contas, amigas vêm e vão e Franciele estava mesmo precisando descansar.

Decidida a investir em sua carreira, a nova dançarina de auditório abriu sua caixa de e-mails e pesquisou em sua relação de contatos o endereço eletrônico de Joel Pimenta, jornalista responsável pela coluna De Olho nos Vips, do Jornal Folha de Hoje. Não que ela fosse amiga dele, ela simplesmente roubara o endereço da agenda de Almeidinha, já que Pimenta era cliente assíduo do www.streaptesao.com.br. Foi então, que enviou a ele a seguinte notícia:

A danssarina Cheila, que fez muito suceço com seu corpo rolisso no majistral show de danssa selvagem, dirigido pelo internassionalmente conhecido diretor Almeidinha, é a nova danssarina do Domingô de Tarde. Sua primeira apresentassão será no próssimo domingô. Amanhã ^a noite ela jantará com amigos no Bar da Telma, nos Jardins, onde podera ser fotografáda.

Preparado o e-mail, ela anexou uma foto sua que ilustra suas páginas do orkut e facebook e enviou a mensagem confiante na publicação.
***

Pimenta ria sozinho ao ler a mensagem. Aliás, ele ri sozinho várias vezes ao dia, pois o que mais recebe são e-mails de supostas celebridades em busca do estrelato. Fez questão de imprimir o texto e a foto para se divertir com seu amigo com quem almoçaria logo mais.
Pimenta trabalha no Folha de Hoje há dez anos. É um homem carismático, nem feio nem bonito, cerca de quarenta anos. Odeia o que faz, mas faz porque não sabe fazer outra coisa. Seu sonho sempre foi fazer reportagens, daquelas que não existem mais. Mas como nunca conseguiu, vai levando sua coluna do jeito que sabe: publicando o que acha interessante e o que odeia quando lhe pagam bem – e por fora – para isso. E o pagamento pode ser feito em dinheiro ou em sexo. Por isso, ele sempre é visto em noitadas com lindas mulheres em busca de ascensão social.


- Olha isso!, disse o jornalista para o seu amigo no almoço, ao lhe entregar a cópia do e-mail que recebera.

- Não acredito como alguém pode escrever tão errado desse jeito!

- Bem vindo ao mundo das celebridades! E das futilidades!

- Quem é?, perguntou o amigo.

- Uma gostosa que quer fazer sucesso. Acho até que vou publicar uma notinha.... e depois vou comer ela, é claro.

- Você sabe quem é?
- Ela mandou a foto! Olha só! É gostosa ou não é?

O amigo pegou a foto, olhou e olhou e olhou e olhou novamente! E então olhou e olhou e olhou e olhou novamente, sem pronunciar uma única palavra!

- Que foi?, perguntou Pimenta. É gostosa mas nem tanto! Não precisa ficar mudo desse jeito.
Ainda com a foto nas mãos, o detetive Clayton ficou em dúvida se contava ao amigo que a dançarina da foto era a puta pela qual ele se apaixonara.
** *

- Alô! Alô! Alô! Vai falar ou não? Olha aqui, seu filho da puta ou sua vaca, é a quinta vez que tá me ligando hoje e não fala nada. Vai se foder! Se ligar de novo, vou chamar a polícia, tá sacando?, gritou Mariazinha Tico Tico antes de desligar o telefone.
obs.: assassinatos no estúdio C continua dia 07/01

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

ASSASSINATOS NO ESTÚDIO C - CAPÍTULO IV

Cinco minutos depois que entrou na sala de Rafael Neto, Sheila já estava contratada. Nem precisou mostrar o vídeo book, o que a deixou com certa raiva pelo dinheiro que perdeu e pelo trato que deu e não precisaria ter dado no Almeidinha.

- Muito obrigada.

- Não agradeça. Estou fazendo isso por Franciele. Aliás, é no lugar dela que você vai entrar.

- Não posso tirar o lugar da minha amiga, respondeu Sheila num impulso.

Seguiram-se alguns segundos de silêncio, tempo suficiente para ela pensar que não deveria ter dito o que disse. Rafael Neto olhou para ela, olhos tristes e lacrimejantes, caminhou em sua direção, abraçou-a e começou a chorar convulsivamente.

- Entendo. Deve ser realmente muito difícil, eu também estou sofrendo, ele disse entre lágrimas e soluços.

- Olha, esquece o que eu disse. Eu fico no lugar dela sim. Ela também ficaria no meu. Amiga também é pra essas coisas, pra ficar uma no lugar do outra quando precisa. Ela não me disse que ia tirar férias, então eu cubro ela e pronto, depois, se você gostar de mim, eu continuo. Não precisa chorar por causa disso.

- Então você não sabe?

- Não sei o que, homem de Deus?

- Que Franciele morreu?

***
No 399° DP, o Detetive Steves esmurrava sua mesa enquanto falava ao telefone com o atendente do cartão de crédito. “Mas isso é um absurdo”, gritava, “eu não gastei esse dinheiro todo, como o meu cartão pode estar bloqueado? Alguém clonou o meu cartão, só pode ser!”

Para não ouvir a gritaria, o Detetive Clayton colocou um chumaço de algodão em seu ouvido. Ele olhava fixamente a tela do seu computador, mas sequer enxergava as cartas do jogo de paciência à sua frente. Seu pensamento estava longe. Estava em Sheila. Ele não conseguia entender porque ela ainda não havia ligado para ele. É certo que ele entendeu que ela tirou dinheiro da sua carteira enquanto dormia exatamente para não acordá-lo, o que no seu modo apaixonado de pensar, era uma prova de amor. O que realmente o incomodava era a ausência de uma ligação.

Seu pensamento foi interrompido quando alguém jogou em sua mesa as correspondências do dia. Clayton pegou os envelopes, foi separando os que não o interessava até se deter um em envelope grande, de cor branca, sem remetente, e envolvido por um papel celofane e uma fita de cetim vermelho. Imediatamente, ele imaginou-se tratar de uma carta de sua amada e o abriu. Dentro dele, apenas uma foto.

- Steves, Steves, vem cá!

- Peraí, Clayton, Só vou finalizar essa ligação aqui.

Clayton olhava para a foto e a foto olhava para Clayton e os dois não conseguiam se entender. Por que alguém haveria de lhe mandar uma foto de uma mesa com um vidro de tempero, uma acelga, uma rúcula, uma chicória, um quiabo e alguns legumes ou tubérculos que ele não conseguia identificar? E por que o vidro de tempero estava assinalado com um X? E qual a razão de uma seta apontar para uma acelga?

- Puta que pariu Clayton. Clonaram meu cartão, acredita? Mas eu vou te dizer uma coisa... eu vou pegar quem fez isso e jogar no Tietê, ah, se vou! O que é que tu quer?

- Isso é aqui é uma verdura ou um legume?, perguntou Clayton apontando a foto para Steves.

- Porra, não tá reconhecendo um inhame? Que merda de detetive é você?

- E isso aqui?

- Um aipim, caralho! Vê lá hein Clayton.... não marca bobeira não, não deixa o delegado ouvir que você não sabe essas coisas... ele sempre disse que gosta de detetive que tem conhecimento geral. Nunca ouviu ele dizer que pra um policial descobrir um crime ele precisa saber um pouco de tudo? Tu tá mal nessa história de botânica... se liga na botânica, meu irmão, se liga na botânica.

- Não enche o saco Steves... desde quando eu preciso saber de inhame pra prender bandido? Agora uma coisa está me intrigando! Por que alguém haveria de me mandar uma foto como essa?

- Pra mim, é alguma divulgação de restaurante, concluiu Steves!

- Pode ser, pode ser... mas que é estranho, é!

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

ASSASSINATOS NO ESTÚDIO C - CAPÍTULO III

Com o dinheiro que roubou da carteira do Detetive Clayton, Sheila resolveu fazer um vídeo book. Nada muito sofisticado. Queria apenas que alguém a gravasse dançando ritmos diversos. Telefonou para Almeidinha, um velhinho de 82 anos muito conhecido no meio da prostituição.
Posso dizer que ele é, literalmente, um filho da puta. Quando ele nasceu, Rosa Baiana, sua mãe, foi expulsa do puteiro onde trabalhava, lá pros lados da Cidade Baixa, em Salvador. Sem dinheiro e sem teto, ela veio tentar a vida em São Paulo, onde só chegou por solidariedade dos caminhoneiros que lhe deram carona e a comeram nas boléias dos caminhões. Um deles era frequentador do Caverna Molhada, conhecida casa de moças nada finas no centro da cidade. E foi lá que ela ficou com Almeidinha, que de lá só saiu depois de completar 35 anos. Bonito, pele morena, olhos esverdeados e corpo atlético, ele era o xodó das raparigas. Quem o vê hoje, careca, barrigudo, olhos vermelhos de contínuos derrames e com a dentadura que salta à boca sempre que ele fica nervoso, não imagina o galã que outrora foi.
Aposentado por invalidez aos 55 anos, atualmente Almeidinha completa seu irrisório pagamento do INSS gravando streap tease de garotas e garotos de programa com transmissão direta via internet pelo site streaptesao.com.br.

Nota: Contam que a aposentadoria por invalidez de Almeidinha foi mais um de seus muitos golpes. Todos até hoje se perguntam como alguém que nunca teve carteira assinada e sempre viveu de estelionato, roubo de carro, tráfico de drogas e de órgãos, entre outros pequenos crimes, conseguiu se aposentar. Uns dizem que ele falsificou documentos, outros que os envolvidos nos seus crimes eram pessoas muito poderosas, que circulavam pela esfera do poder e que, por medo, o ajudaram. Possivelmente, nunca saberemos.

O sistema do streaptesao é muito simples. Os interessados e interessadas entram no site, vêem a agenda de shows, escolhem o horário e pagam R$ 50,00 para terem o acesso liberado na hora marcada. O pagamento só pode ser feito por cartão de crédito, pois Almeidinha também complementa seu rendimento clonando cartões com os dados que obtem no site.

- Almeidinha, preciso que você me grave dançando. Quanto fica?

- Quem é?

- Sheila, porra!

- Você precisa marcar o dia e a hora que pode fazer o show. Pago 10% do que entrar de receita pro horário.

- Não quero fazer show. É só me gravar dançando. Depois fazer umas cópias em DVD. Quero levar pra televisão.

- Cobro R$ 300,00

- Pago R$ 150,00.

- R$ 200,00 mais quatro boquetes. Um por semana.

- R$ 150,00 mais um boquete e um beijo de língua.

- Fechado!

- Quando eu posso gravar?

- Vem hoje à noite. Com pagamento adiantado.

- Combinado. Mas lava bem antes, senão não pago.

Sheila desligou o telefone feliz. Sentia que sua vida começava a mudar. Que novos ventos sopravam, inclusive os muito fortes vindos do oceano e que quase a levaram para o meio da rua. Ela segurou-se no orelhão para não ser arrastada e com muita dificuldade conseguiu discar o número de sua melhor amiga.

- Sheila, não posso falar com você agora. Preciso me maquiar. O programa começa daqui a pouco.
- Relaxa, Franciele. É um segundo. Hoje vou fazer meu video book. Me fala pra quem eu posso entregar aí na TV! Quero dançar no Domingo de Tarde.

- Quem contrata é o Tavares, o diretor. Mas ele só contrata quem o Rafael Neto indicar. É o diretor artístico da emissora! Mas tem que dar pra ele, senão não rola.

- Isso é fácil.

- Liga pra ele amanhã. Diz que é minha amiga. Ele vai te atender.

Sheila agradeceu sem supor que seria a última conversa com a amiga. Depois pegou o metrô, desceu na Estação República e foi caminhando feliz até a Rio Branco onde pretendia encontrar um hotel para passar a noite. No caminho, lembrou de parar em uma farmácia para comprar Listerine, que lhe seria muito útil depois de praticar o pagamento no Almeidinha. E foi às cinco da tarde de segunda-feira que ela se viu na sala de espera de Rafael Neto.