quinta-feira, 26 de novembro de 2009

ASSASSINATOS NO ESTÚDIO C - CAPÍTULO II

Quando Duda Maia percebeu que o roxo de Franciele era um roxo de morte, pediu um close do cãmera e anunciou para o telespectador: São exatamente 15h14 e vocês acabaram de ver uma propaganda ao vivo da nova atração de nossa emissora, o reality show Mal Súbito. Em Mal Súbito, vocês irão acompanhar situações reais de pessoas que passam mal nos momentos mais inconvenientes possíveis e como elas são socorridas. Em breve, na gloriosa TV Mundo. Nossos comerciais, por favor!

Nem bem os comerciais entraram no ar, as dançarinas aglomeraram-se em volta de Franciele e perceberam que ela estava morta. Desespero geral. O diretor correu em direção à Duda Maia e gritou emocionado:

- Genial Duda! Você acaba de criar o programa do século. Mal Súbito será o sucesso da próxima temporada.

- Você acha mesmo, Tavares?

- Já estou vendo os números do ibope.

E os dois começaram a trocar idéias sobre o formato do programa, se ele iria ao ar de dia ou à noite e definiram que o programa poderia ter entradas inconvenientes durante o horário da novela das nove. A conversa foi adiada quando alguém os lembrou que os comerciais estavam para acabar e que era preciso resolver o que fazer com o corpo. Tavares pensou um pouco, mas como não havia mais tempo, pediu para que dois contra-regras levassem Franciele para o camarim 5 e o programa voltou ao ar. Alguns telespectadores perceberam as maquiagens borradas das dançarinas, pois a emissora recebeu pelo menos uma centena de e-mails elogiando a veracidade da propaganda ao vivo e aplaudindo a iniciativa do novo programa.

Obs.: No final do ano, a emissora ganharia o prêmio de inovação em propaganda e em maquiagem artística, oferecido pela revista Conosco.

O corpo de Franciele ficou deitadinho no sofá do camarim 5 até o final do Domingo de Tarde. Como todos sabiam que a pobre não tinha família, pois era filha única de pais mortos que eram filhos únicos de pais também mortos, a direção da emissora decidiu evitar polêmicas e pediu ao médico do trabalho que estava de plantão naquela tarde que providenciasse um atestado de óbito que eles cuidariam do resto.

- Mas eu não posso fazer isso sem saber a causa mortis, reclamou o Dr. Pedro.

- Uma das dançarinas disse que ela tinha o hábito de chupar halls de menta enquanto dançava. Ela morreu disso. De halls. De engasgo, respondeu o diretor artístico, Rafael Neto, que no seu íntimo lamentava a morte de Franciele, com quem já havia passado noites inesquecíveis de sexo, cocaína e axé music.

- Engasgo não dá! Posso por infarto? -, perguntou o Dr. Pedro.

- Pode.

E assim Franciele foi enterrada na segunda-feira de manhã no cemitério de Vila Cachoeirinha, em um túmulo da família de uma dançarina do programa, a Mariazinha Tico-Tico, também conhecida como Mulher Acelga.
Tavares, Rafael Neto e Duda Maia não puderam comparecer, pois estavam em uma reunião na TV Mundo decidindo quando estrearia o programa Mal Súbito.

Ao enterro, compareceram a Mariazinha e as demais dançarinas: Luciele, Carla Maria, Rosinha Chocolate, Dorinha do Bem-Bom e Patricinha Quebra-Quebra, respectivamente as Mulheres Aipim, Inhame, Rúcula, Chicória e Quiabo.

“Que tristeza” -, lamentou Rosinha Chocolate. “Ela estava tão feliz com o silicone que havia colocado!”

“Eu adorei. Os seios dela ficaram perfeitos. Alguém sabe onde ela colocou o silicone?” -, perguntou Carla Maria, que pretendia deixar os seios iguais aos de Franciele.

“Ela fez onde eu fiz. Eu que indiquei pra ela”, respondeu orgulhosa a Patricinha Quebra-Quebra. “Na casa da Paulete Blue!”.

Paulete Blue foi uma dançarina de auditório muito famosa. Era presença obrigatória em todas as festas da cidade. Não porque ela fosse diferente das demais, ela apenas dava mais do que as demais. E não era difícil ela sair das festas completamente bêbada. Como os fotógrafos sabiam que quando isso acontecia ela costumava voltar para casa a pé e doar todas as suas roupas para os mendigos que encontrava pelo caminho, ela sempre se tornava manchete. Mas numa dessas noites, quis o destino que ela tropeçasse num bueiro sem tampa e torcesse o pé de tal maneira que ela ficou manca, e por isso, não pôde mais dançar, o que a abalou emocionalmente. Dizem que ela prometeu que só voltaria a transar no dia em que deixasse de ser manca. Sem transas, sem festas. Sem festas, esquecimento. Sem dinheiro e sem trabalho, ela foi dividir um apartamento com Michele Fortuna, um travesti que vivia de shows e da aplicação de silicones. E foi com Michele que ela aprendeu o ofício. Tornaram-se sócias. Quando Michele morreu atropelada acidentalmente por um jogador de futebol, ela assumiu a clínica, que até hoje funciona em um quarto do seu apartamento na Amaral Gurgel.
Depois de muito conversarem sobre o assunto – do silicone, não da morte – chegou a hora de enterrar Franciele. Silenciosas, elas foram percorrendo as alamedas do cemitério em direção ao túmulo, onde jazia a inscrição: Dancei na Vida. Estavam tão tristes e entretidas nos seus pensamentos que se assustaram quando Dorinha do Bem-Bom gritou estarrecida:

- “Meus Deus, agora que me lembrei”.

Foi então que ela contou que um pouco antes do início do programa, ela viu Franciele atender uma ligação em seu celular e ter ficado muito nervosa com a conversa.

- Eu lembro que ela disse assim: você está me ameaçando? E depois disse: Alô. Alô. Alô. Vá se foder! Aí ela desligou!

Todas se olharam assustadas e começaram a falar ao mesmo tempo, que isso era muito sério, que ela podia estar sendo ameaçada, que elas precisavam saber se ela ligou ou recebeu a ligação e com quem ela falou. Foram interrompidas pelo coveiro, que pediu para eles conversarem depois. “ Pô, moças, eu tenho mais cinco covas pra abrir até o meio-dia. Colaborem!”.

Diante do suplicante pedido, decidiram enterrar a amiga e depois procurar o celular que há muito já estava submerso nas águas do rio Tiête.

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